Em um fim de tarde, em meados de Setembro, duas moças descansavam em suas camas frias e desconfortáveis, de forma triste e tediosa. As jovens eram de primeira vista atraentes e perfeitas, como íntegras deusas gregas; uma delas tinha cabelos loiro-prateados, um tanto bagunçados, olhos verdes-esmeralda e vestia um belo e simples vestido azul da Prússia, que sem nenhum pudor mostrava suas voluptuosas curvas, transformando-a em uma Vênus pós-moderna, a garota estava ociosa à leitura de Amor de Perdição, imaginando um amor secreto em um devaneio romântico; a outra garota, em contraste, possuía cabelos curtos e escuros, seus olhos eram mais desejosos que às águas-marinhas, tinham um tom azul-esverdeado, ela vestia uma saia xadrez e um suéter de lã escocesa e, muito racionalmente estava lendo o Discurso sobre o método, com uma aguda inteligência e atenção, parando à leitura em momentos descontínuos, simplesmente para cogitar sobre o assunto. Neste quarto, o amor e sabedoria governavam sem dimensões físicas, exceto talvez, às das paredes beges descascadas pela decadência do tempo.
Na pensão, em que estavam os hóspedes eram muitos sombrios e esquisitos, às vezes, tísicos e frios, como se não tivessem expressões, suas almas e corações pareciam perdidos nas trevas.
Às dezenove horas, moças desceram às escadas, desistindo da pensão para procurar outro lugar que não fosse tão misterioso e tristonho. Ao chegarem à recepção, elas pagaram as diárias a um velho gordo de barbas castanho-avermelhado, com cabelos untuosos e vestimentas antiquadas, que aparentava ter despertado há poucos instantes e, voltaram para buscar suas bagagens. No corredor mal iluminado encontraram uma senhora idosa, que elas nunca tinham visto antes, segurando uma bandeja de prata, com uma jarrinha de leite e um grande prato de tortinhas de banana. A mulher sorria radiante, o que era estranho, pois os hóspedes e funcionários daquela pensão eram em essência, inertes e inexpressivos; e formalmente a mulher lhes ofereceu o lanche, as meninas com muita fome aceitaram e comeram educadamente, agradecendo à gentileza.
Mesmo com pressa, elas passaram há caminhar um pouco mais devagar e, ao olharem para trás perceberam que a velha desaparecera, como por evanescência. Ao entrarem no dormitório, as duas se sentiram tontas, muito cansadas e acabaram dormindo.
Na manhã seguinte, as moças foram achadas no chão do quarto, mortas por envenenamento, sem ao menos poderem despertar com beleza e sabedoria, para procurar outra pensão melhor que aquela.
Francisco Getúlio Sousa
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