segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Mistério sem descanso

       Em um fim de tarde, em meados de Setembro, duas moças descansavam em suas camas frias e desconfortáveis, de forma triste e tediosa. As jovens eram de primeira vista atraentes e perfeitas, como íntegras deusas gregas; uma delas tinha cabelos loiro-prateados, um tanto bagunçados, olhos verdes-esmeralda e vestia um belo e simples vestido azul da Prússia, que sem nenhum pudor mostrava suas voluptuosas curvas, transformando-a em uma Vênus pós-moderna, a garota estava ociosa à leitura de Amor de Perdição, imaginando um amor secreto em um devaneio romântico; a outra garota, em contraste, possuía cabelos curtos e escuros, seus olhos eram mais desejosos que às águas-marinhas, tinham um tom azul-esverdeado, ela vestia uma saia xadrez e um suéter de lã escocesa e, muito racionalmente estava lendo o Discurso sobre o método, com uma aguda inteligência e atenção, parando à leitura em momentos descontínuos, simplesmente para cogitar sobre o assunto. Neste quarto, o amor e sabedoria governavam sem dimensões físicas, exceto talvez, às das paredes beges descascadas pela decadência do tempo.
       Na pensão, em que estavam os hóspedes eram muitos sombrios e esquisitos, às vezes, tísicos e frios, como se não tivessem expressões, suas almas e corações pareciam perdidos nas trevas.
       Às dezenove horas, moças desceram às escadas, desistindo da pensão para procurar outro lugar que não fosse tão misterioso e tristonho. Ao chegarem à recepção, elas pagaram as diárias a um velho gordo de barbas castanho-avermelhado, com cabelos untuosos e vestimentas antiquadas, que aparentava ter despertado há poucos instantes e, voltaram para buscar suas bagagens. No corredor mal iluminado encontraram uma senhora idosa, que elas nunca tinham visto antes, segurando uma bandeja de prata, com uma jarrinha de leite e um grande prato de tortinhas de banana.  A mulher sorria radiante, o que era estranho, pois os hóspedes e funcionários daquela pensão eram em essência, inertes e inexpressivos; e formalmente a mulher lhes ofereceu o lanche, as meninas com muita fome aceitaram e comeram educadamente, agradecendo à gentileza.
      Mesmo com pressa, elas passaram há caminhar um pouco mais devagar e, ao olharem para trás perceberam que a velha desaparecera, como por evanescência. Ao entrarem no dormitório, as duas se sentiram tontas, muito cansadas e acabaram dormindo.
      Na manhã seguinte, as moças foram achadas no chão do quarto, mortas por envenenamento, sem ao menos poderem despertar com beleza e sabedoria, para procurar outra pensão melhor que aquela.


Francisco Getúlio Sousa

Amor ácido e amor básico

Meu azedo ácido,
Sulfúrico coração de motor
Das sereias nítricas, dos elfos fosfóricos,
Básicos e amargos, qual base amarga,
Qual chuva ácida, tensão e dor.

Ácido acético, soda cáustica,
Do vinagre ao sabão,
As torres antipáticas, as lápides umbrosas
Da cal viva e extinta nas flores do limoeiro,
Tijolo após tijolo, dia após dia,
Num suco de limão,

Na metrópole, as fábricas fumacentas,
Na fabricação de duendes fluorídricos,
Que corroem vitrais góticos,
De ninfais hidroxilas e hidróxidos alcalinos,
Cáusticos e ópticos.

Cuidado golem, com o nazista cianídrico,
Com a serpente da manteiga rançosa,
A azia gástrica do hidrácido clorídrico,
A solda da armadura terrosa.

Pois no fim, tudo acaba sem mágoa ou mal,
O ácido beija a base,
O amor se neutraliza
Num biscoito de água e sal.


Francisco Getúlio Sousa

domingo, 11 de dezembro de 2011

Lewis Carrol e seu Jaguadarte

Lewis Carrol (1832 - 1898).


      Lewis Carrol, pseudônimo do escritor, poeta e matemático inglês Charles Lutwidge Dodgson. Autor de clássicos da literatura mundial como: Alice no país das maravilhas  e Alice no país do espelho, obras que mesclam fantasia infantil, psicodélia e estilo nonsense, podendo serem consideradas um dos principais germes da poesia e prosa modernas, com ênfase as vanguardas europeias, tais como: o Dadaísmo e o Surrealismo.
      Para vocês trago hoje uma tradução do poema “Jabberwocky” um dos poemas nonsense do livro Alice no País do Espelho de 1871. Sinceraramente essa tradução me deu muito trabalho, pois muitas das palavras do poema não têm tradução, algumas foram simplesmente inventadas por Carrol. Em suma, Jabberwocky ou Jaguadarte  é uma criatura notável que caracteriza muito bem o estado de euforia poética de Carrol. Boa leitura!!!!



 
JABBERWOCKY

Lewis Carroll



'Twas brillig and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe.
All mimsy were the borogroves
And the mome raths outgrabe.

"Beware the Jabberwock my son!
The jaws that bite, the claws that catch!
Beware the Jubjub bird
And shun the frumious Bandersnatch!"

He took his vorpal sword in hand
Long time the manxome foe he sought
So rested he by the Tumtum tree,
And stood awhile in thought.

And, as in uffish thought he stood,
The Jabberwock, with eyes of flame,
Came whiffling through the tulgey wood,
And burbled as it came!

One, two! One, two! And through and through
The vorpal blade went snicker snack!
He left it dead, and with its head
He went galumphing back.

And hast thou slain the Jabberwock?
Come to my arms my beamish boy!
O frabjous day! Callooh! Callay!
He chortled in his joy.

'Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe.
All mimsy were the borogroves,
And the mome raths outgrabe.

Jaguadarte

Tradução: Francisco Getúlio Sousa da Silva

Era tão luminal. Os gosmalhosos
giravam e regurgiravam nos fartagos,
todos os mimicurvos estavam goivestidos
e os farsaídos faziam gastrogagos.

Cuidado com o Jaguadarte, meu filho!
Mandíbula mordendo, garras pegando!
Cuidado com a ave Sobe-Sobe se esconda
do bravioso Vaimurrando.

Agarrando sua vorpal espada
ele procurou o inimigo Masculal,
depois descansou na árvore Blém-Blém
e ficou bem sonhanormal.

Estando ele dorminado na tardessência,
aparece o Jaguadarte com olhos de fogo,
sopranante na selva madeiraz,
garguleando tão castelouco.

Um, dois! Um, dois! Direto e direto
a lâmina vorpal foi tranôl-tranôl,
corpo que mata-mata, cabeça que corta-corta,
e ele triunfalantemente voltou.

Então venceste, mataste o Jaguadarte?
Venha aos meus braços, aveturomem, meu amor!
Que dia fabuloso! Viva! Vivoroso!
Ele gargalhante estava risonhador.

Era tão luminal. Os gosmalhosos
giravam e regurgiravam nos fartagos,
todos os mimicurvos estavam goivestidos
e os farsaídos faziam gastrogagos.


 Texto e tradução: Francisco Getúlio Sousa da Silva

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

William Blake: O verdadeiro romântico

 
      William Blake nasceu em Londres no dia 28 de novembro de 1757 e morreu na mesma cidade em 12 de agosto de 1827. Blake foi poeta e pintor excêntrico , também teve a ocupação de tipógrafo e ilustrador, ilustrando livros famosos na época como Bíblia e A divina comédia, de Dante Alighieri.
      Em suas obras artísticas, pinturas e poemas, Blake apresentou harmonia e racionalismo clássicos unidos o sentimentalismo melífluo e filantropo da escola romântica. Sua poesia é vanguardista e sonhadora se sobressaindo como um grande escritor de língua inglesa.
      Para vocês augustos leitores trago uma tradução feita por mim do poema “ The Tiger”. Boa leitura!
THE TYGER

Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?

In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand, dare seize the fire?

And what shoulder & what art,
Could twist the sinews of thy heart?
And when thy heart began to beat,
What dread hand & what dread feet?

What the hammer? what the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? what the grasp
Dare its deadly terrors clasp?

When the stars threw down their spears,
And water'd heaven with their tears,
Did he smile his work to see?
Did he who made the Lamb make thee?

Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?




O tigre

Tigre! Tigre! Ardências diurnas,
Nas florestas tão soturnas,
Que mão ou olho imortal
Moldaria tua simetria fatal?

Em que abismos ou céus insólitos
Queimou o fogo dos teus olhos?
Em que asas ousariam aspirar?
Que mão atreveu o fogo apagar?

Que potência o ombro e a arte podiam ter
Capaz de o teu coração torcer?
Desde inicio bateste forte o coração,
Mas, que mãos e pés horrendos, não?

Que martelo? Qual o assento?
Que fornalha formou teu pensamento?
Qual bigorna? Qual aperto atreverá
Seus terrores mortais então apertar?

Quando as estrelas lanças jogarem
E dos céus teus choros derramarem,
Ao ver sua obra estava prazenteiro?
Sabes que quem ti fez, também fez o Cordeiro?

Tigre! Tigre! Ardências diurnas
Nas florestas tão soturnas,
Que mão ou olho imortal
Moldaria tua simetria fatal?




Tradução e Biografia: Francisco Getúlio Sousa

sábado, 26 de novembro de 2011

Gotículas

Pelo amor que tenho a literatura é que dedico a todos os amantes do conhecimento estes 8 microcontos:

     
      O piano está mudo, o músico morreu.
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      A hamadríade definhou de solidão.
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      Vejo Darwin com seus tentilhões numa gaiola de estanho.
      – Que pássaros distintos! – digo eu.
      – São irmãos. – diz ele.
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      Ela é a esfinge faminta de beleza, lilás de vaidade e cheia de egoísmo.
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      Na manhã, a moça acorda e lê a carta deixada pelo amante, onde estava escrito:
      – Eu te amo. Adeus.
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      Ao anoitecer, o vestido branco é tranquilo e o preto, misterioso.
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      Hoje houve aula de Matemática. Que tédio!
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      Cachoeira vigorosa. Martelo vigoroso. Bailarina verde floresta tão contrastante a rústica metalúrgica.






Francisco Getúlio Sousa da Silva

A CURIOSIDADE humana vai à Marte


Direi a NASA que é coisa rasa
mandar ao espaço um bicho de aço,
que vá à Marte buscar vida.

Direi a NASA que se esqueça
dos mortos planetas
e olhe com seus enormes telescópios
para nossa casa, nossa Terra,
onde há vida tão viva e boa,
como não existe eu confesso,
em nenhum outro lugar do Universo.
 
Direi a NASA que é coisa rasa
mandar ao espaço um bicho de aço
de caro e humano nome,
cujo preço poderia aplacar
tanta FOME.





Francisco Getúlio Sousa da Silva

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Emily Dickinson

 I'm nobody! Who are you?
       Emily Dickinson

 I'm nobody! Who are you?
 Are you nobody, too?
Then there's a pair of us -- don't tell!
They'd advertise -- you know!

How dreary to be somebody!
How public like a frog
To tell one's name -- the livelong day
To an admiring bog!




 
Eu sou ninguém! Quem és tu?      

Eu sou ninguém! Quem és tu?
Tu és ninguém, também?
Então há um par de nós - não diga!
Eles anunciam - tu sabes!

Como é triste ser alguém!
De qual maneira público como um sapo
Para contar o próprio nome - o durável dia
Admirando um pântano!





Tradução: Francisco Getúlio Sousa